Excerto curioso de uma carta de Júlio Dinis para o seu amigo
Custódio Passos, irmão do poeta Soares de Passos.
Escrita em Lisboa a 18 de Fevereiro de 1869.
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“Ontem, descendo o
Chiado, esbarrei cara a cara com não menor personagem do que Camilo Castelo
Branco. Se fosse no Porto, saudar-nos-íamos muito cerimoniaticamente e
passaríamos. Aqui foi outra coisa. O amável
romancista dirigiu-se-me com maneiras tão afáveis, que dir-se-ia sentir um
real prazer em me encontrar.
Queixou-se-me por
miúdos dos seus males físicos, que o tinham obrigado também a vir a Lisboa; das
suas apreensões a respeito duma suposta doença de espinha medular (e alguns
fundamentos tem para a suposição), das canseiras que lhe tinha dado a doença
dum filho, obrigando-o isso a dias de continuada vigília; informou-se dos meus
padecimentos, deu-me conselhos, sentiu do coração,
que a minha doença me não deixasse escrever; e terminou oferecendo-me a sua
casa. Separámo-nos como grandes amigos, depois dum tête-a-tête de um quarto de hora.
O homem está realmente
muito escavacado. Ele diz que morre saciado – porque soube viver muito em 42
anos.”
JÚLIO DINIS, Cartas e Esboços Literários, Porto,
Livraria Civilização, 1946 (d. do prólogo), p. 129.
2 comentários:
Já estou a meio da obra e confesso que estou a gostar, por nos aproximar da nossa essência.
Retiro do livro a frase:
«Mas não basta sentir, é necessário transmitir as expressões dos nossos sentimentos»
Somos seres construídos pela narrativa e a Comunidade de Leitores é o cadinho dessa fusão.
Tenho para mim que o Camilo mesmo jovem devia parecer escavacado :)
Mas é um registo delicioso este...
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