23 janeiro 2013

UM POEMA DE JÚLIO DINIS


C. ***

Não meças o amor pelo tempo que dura;
Ontem amei-te mais nessa hora tão ligeira,
Senti maior prazer, gozei maior ventura,
Do que se ao pé de ti passasse a vida inteira.

Deixa que esta paixão termine com o dia,
Efémera recém-nascida à madrugada,
E que ao cair do sol, nessa hora de poesia,
Deixou pender no chão a fronte desfolhada.

Fiquemos sempre assim, um ao outro ignorados
Nestas vagas regiões duma paixão nascente.
Sigamos cada um caminhos separados;
Com uma hora de amor a alma é já contente.

                                                          Lisboa, 1869.
 
 
JÚLIO DINIS, Poesias, 6º volume das "Obras Completas", Lisboa, Círculo de Leitores, 1992, p. 254.

2 comentários:

Maria Amélia disse...

Fico a pensar, afinal, o poeta contenta-se com o quê? Julgo, feitas as contas, que na realidade o que o contenta é o que lhe é dado, "nessa hora". Por uma única razão: é o que tem de seguro. Tudo o resto, quer dizer, "a vida inteira", é um investimento excessivo de incerteza e instabilidade. Que prosaica! soará na mente do nosso proponente vate. Uma coisa concedo: é "nessa hora" que se realiza a poesia!

Manuel Nunes disse...

Ele só podia contar com "essa hora", pois sabia que não teria lugar para "a vida inteira". Poema feito a dois anos da esperada morte.