C. ***
Não meças o
amor pelo tempo que dura;
Ontem
amei-te mais nessa hora tão ligeira,
Senti maior
prazer, gozei maior ventura,
Do que se ao
pé de ti passasse a vida inteira.
Deixa que
esta paixão termine com o dia,
Efémera recém-nascida
à madrugada,
E que ao
cair do sol, nessa hora de poesia,
Deixou pender
no chão a fronte desfolhada.
Fiquemos
sempre assim, um ao outro ignorados
Nestas vagas
regiões duma paixão nascente.
Sigamos cada
um caminhos separados;
Com uma hora de amor a alma é já contente.
Lisboa,
1869.
JÚLIO DINIS, Poesias, 6º volume das "Obras Completas", Lisboa, Círculo de Leitores, 1992, p. 254.
2 comentários:
Fico a pensar, afinal, o poeta contenta-se com o quê? Julgo, feitas as contas, que na realidade o que o contenta é o que lhe é dado, "nessa hora". Por uma única razão: é o que tem de seguro. Tudo o resto, quer dizer, "a vida inteira", é um investimento excessivo de incerteza e instabilidade. Que prosaica! soará na mente do nosso proponente vate. Uma coisa concedo: é "nessa hora" que se realiza a poesia!
Ele só podia contar com "essa hora", pois sabia que não teria lugar para "a vida inteira". Poema feito a dois anos da esperada morte.
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