12 abril 2019

O PARAÍSO PERDIDO (1)

PARAÍSO PERDIDO é uma metáfora perfeita para INFÂNCIA. José Rodrigues Miguéis (1901-1980) nasceu no nº 13 da Rua da Saudade, cidade de Lisboa. Nas águas-furtadas, certamente, como o seu alter ego Gabriel cujos episódios da infância são narrados em A Escola do Paraíso. O nº 13 já não existe: soçobrou de velhice ou no transe das escavações do Teatro Romano. Agora, os números ímpares da rua saltam do 7 para o 15 sobre o telheiro que protege os vestígios arqueológicos do séc. I. Vejamos o que nos diz o texto:
«Os paquetes atracam logo em baixo, ao cais, e a rua deve talvez o nome à saudade que para sempre ficou flutuando no sítio: a saudade dos que ficam, e a dos que partem e querem prender-se à terra, de braços, olhos e almas alongadas. Os vapores encolhem os seus dedos de ferro, os rebocadores arquejam, retesam-se de esforço, vomitam fumaça negra - e eles lá vão devagar, contrariados, adornados ao peso da gente (às vezes soldadesca morena e pardacenta para as guerras-dos-pretos) que acode às amuradas, agarrada à derradeira imagem dos que ficam a dizer adeus-adeus, talvez à esperança absurda de que o navio afinal não chegue a zarpar.»
(...)
«Não se pode ter nascido ali, viver a ver chegar e partir navios todos os dias, com um rasto de lágrimas  e o esvoaçar de adeuses no azul, nem ouvir noite e dia estas vozes, sem ficar impregnado de irremediável nostalgia. Tudo isto, o rio imenso, os cais, o mar, os horizontes, se integra nele e ficará para sempre dentro dele como um apelo de longe e uma saudade, anseio de partir e de voltar: quando? e para onde?»
--- JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS, A Escola do Paraíso, Cap. 3 - Cais de Embarque.
 
= Fotos de 12-4-2019=
 

9 comentários:

Paula M. disse...

O livro é um poema às doces, e por vezes amargas, vivências e memórias de infância. Uma vivência tão lisboeta, contada por um narrador com a altura das pernas de uma mesa.
Faz nos recordar algo familiar, das nossas próprias infâncias. E é também um poema de amor à cidade.

Paula M. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Emanuel disse...

Sim, Paula, mas num tempo bastante diferente do nosso (ou dos nossos). No princípio da Terceira Parte, a mestra do Colégio de Meninos traz a notícia do regicídio. O Gabriel andaria pelos 7 aninhos.

Bia disse...


Emanuel, Bem dizia eu que me apetecia fazer um passeio por esta Lisboa.
Quanto ao amor, Paula, até onde li, tudo fala do amor.
É maravilhoso!


Bia disse...


… até o polidor de metais é "pomada Amor", o nosso conhecido "Solarine"...

Emanuel disse...

Ao polidor de metais, ainda não cheguei. Ao amor, enfim...

Bia disse...

Página 23.
Os irmãos da Delfina fazem palmatórias que ela areia com a "pomada Amor."

José Fernando Encarnação disse...


Palmatórias de metal? As de madeira já metem medo !

Maria Amélia disse...

Aquelas palmatórias são suportes para velas, com uma pega, mais rasos que castiçais e não os instrumentos de tortura das escolas "antigas".