15 março 2020

JUBIABÁ (1)


Ficha do cartunista SPACCA em jubiaba.blogspot.com

A CIDADE-MULHER

Li hoje o segundo capítulo de Jubiabá, “Infância remota”. Infância remota de António Balduíno, o menino que observava a cidade do alto do morro e dela adivinhava mais do que se pode esperar de uma criança. Uma primeira nota para a dimensão erótica, dada pelo narrador, desta observação da cidade (cidade-mulher), aquele espaço de certa forma interdito onde fulguravam luzes, circulavam bondes e se movimentava a gente de diversas classes nas suas labutas diárias. O despertar remoto da sexualidade.
À espera de, à hora do crepúsculo, ver as luzes se acenderem, Baldo tinha uma volúpia que «parecia um homem esperando a fêmea». Uma vez, sentindo, vindo lá de baixo, um «choro de mulher e vozes que a consolavam», houve um tropel dentro dele que «o arrastava numa vertigem de gozo». Havia sofrimento na cidade, diferente certamente do que se vivia no morro, mas o «menino de oito anos, gozava aqueles pedaços de sofrimento como o homem goza a mulher.» E tudo isto, assim mesmo mal entendido, tornava Baldo mais terno na sua rudeza de menino desamparado. Se algum companheiro se aproximasse dele naqueles instantes de contemplação, «ele o acariciaria sem dúvida, não o receberia com os beliscões costumeiros» e passaria «a mão sobre a carapinha do companheiro de brinquedos, recostaria o peito ao peito do amigo. E talvez sorrisse.»
Ainda numa linha de erotismo, dizia a irmã Luísa do pai de Baldo: «Ele era um negro bonito de encher a boca de água.»
E isto é apenas sobre as duas primeiras páginas do capítulo. Já iremos ao pai-de-santo Jubiabá e aos ABC de Zé Camarão.

2 comentários:

Custódia C. disse...

Eu li o Jubiabá quando tinha os meus dezasseis anos, pelo que tenho poucas memórias presentes. Algumas personagens e uma ou outra cena, pelo que vai ser uma redescoberta. E há muita poesia nesta escrita, não há?

Manuel Nunes disse...

Há muita poesia, sim. Também li em moço.