O GRITO DE DIGNA PARDO ANTE A QUEDA MORTAL
DE SEU AMO JUVENAL URBINO*
Foi às quatro horas e sete minutos da
tarde de Domingo
de Pentecostes, desciam sobre as casas as línguas flamejantes
do divino Paracleto. O calor anunciava chuva, o mar rumorejava
dentro de todos os búzios. Insolente, o papagaio fugira
para os ramos altos da mangueira, e uma escada romba de Pentecostes, desciam sobre as casas as línguas flamejantes
do divino Paracleto. O calor anunciava chuva, o mar rumorejava
dentro de todos os búzios. Insolente, o papagaio fugira
preparava-se para escrever uma página da história da infelicidade.
Nem sequer teve tempo de encomendar a alma: o corpo
desprendeu-se da escada como um fruto podre
caído ao solo em súbita demolição de músculos e ossos,
e nenhum anjo-da-guarda saiu dos catecismos para lhe aparar
a queda. O grito da criada Digna Pardo trespassou de pânico
as cúpulas de ouro da cidade velha, os pássaros calaram-se,
enquanto Deus, indiferente ao destino dos homens,
sorria de tédio e ócio à sombra roxa da sua eternidade.
* Digna Pardo e Juvenal Urbino
são personagens de Gabriel García Márquez em O Amor nos Tempos da Cólera.
2 comentários:
86 anos de muita inspiração e arte.
Gosto muito de Gabriel e "O Amor nos Tempos de Cólera" é um daqueles que li duas vezes, que de vez em quando folheio e lerei a terceira lá para o final do ano :)
Pois eu só li agora, já no declinar da vida, quase tão decrépito como a Fermina Daza e o Florentino Ariza ao consumarem o seu adiado amor. Ando sempre muito atrasado nas minhas leituras. :) :) :)
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