26 março 2014

BALTASAR DIAS E O ABECEDÁRIO DA MULHER VIRTUOSA: D de Devota à Virgem; H de Humilde a seu marido; Z de Zelosa da honra

BALTASAR DIAS, poeta cego, oriundo da ilha da Madeira, viveu entre os últimos anos do reinado de D. Manuel e os primeiros do de D. Sebastião, cerca de 1515 a 1560. D. João III outorgou-lhe o privilégio da impressão e venda das folhas volantes com que ganhava a vida, estabelecendo penas para os usurpadores da sua propriedade intelectual.
Mário Cláudio, no romance Oríon, apresenta-o em São Tomé, deslumbrando  colonos e africanos com a representação de autos e tragédias, nomeadamente a Tragédia do Marquez de Mantua e do Emperador Carlos Magno. Ficção pura a passagem do madeirense pelas ilhas do Equador, o que estes romancistas inventam!
A obra de Baltasar Dias divide-se em autos de devoção, tragédia, romances e trovas. Segundo alguns autores, é um continuador da escola de Gil Vicente, um homem do Renascimento com uma concepção ainda medieval da arte.
Tem duas obras satíricas, Malícia das Mulheres e Conselhos para Bem Cazar. É-lhe atribuída uma carta escrita a uma senhora que queria aprender a ler. Reza assim:
 
«Señora:
«Agora me derão hum recado da parte de V.M. em que me pedia lhe mandasse hum ABC, feito de minha mão, que queria aprender, porq se acha triste, quando vê senhoras de sua qualidade, q na Igreja rezão por livros & ella não. (…) V.M. deve (…) deixar o desejo de saber ler, pois já he cazada, & passa de vinte annos de idade. Porem se este conselho não lhe parece bom ou ainda que o he, se não satisfaz por obedecer a seu rogo , fazendo o que me pede, lhe mando aqui com esta hum ABC, que V.M. aprenda de cór, & sabido levemente com ajuda de Deos, aprenderá o mais que lhe for necessário.
«O qual, he que o A quer dizer que seja Amiga de sua caza; & o B, Bem quista da vizinhança; & o C, Caridosa com os pobres; & o D, Devota da Virgem: & o E, Entendida em seu ofício; & o F, Firme na fé; & o G, Guardadeira da fazenda; & o H, Humilde a seu marido; & o I, Inimiga de mixiricos; & o L, Leal; & o M, Mança; & o N, Nobre; & o O, Onesta; & o P, Prudente; & o Q, Quieta; & o R, Regrada; & o S, Sezuda; & o T, Trabalhadora; & o V, Virtuosa; & o X, Xpâa [sic]; & o Z, Zelosa da honra.
«E quando tiver tudo isto anexo a si, que lhe fiquem proprios, crea que sabe mais letras que todos os philosophos. E porque confio em V.M. que os experimentará os achará certo, nam me alargo; mais rogo a nosso Senhor a tenha de sua mão, & a mim me dê graça com que o sirva até o fim.»
 
Obra consultada: BALTASAR DIAS – Autos, Romances e Trovas, Lisboa, IN-CM, 1985

2 comentários:

Custódia C. disse...

Adorei o I (inimiga de mixiricos) :) e perdi-me no x xpâa ????

Manuel Nunes disse...

Expliquei ao José Augusto nos comentários do face. Aliás, não expliquei. :)