Já que andamos a surfar em ondas de
pintura – altas e rápidas como as da Praia do Norte da Nazaré –, aqui fica mais
esta: Un enterrement à Ornans (1849-1850),
de Gustave Courbet (1819-1877), pintor citado por Eça de Queiroz na sua
conferência do Casino Lisbonense (1871) intitulada “O Realismo como nova
expressão de arte”.
Pus-lhe a vista em cima – ao quadro,
não à conferência –, vai para cinco anos, no Museu d´Orsay.
A influência de Courbet sobre Eça foi
de tal ordem que há quem admita que o enterro de Amélia em O Crime do Padre Amaro tem os traços descritivos desta pintura
realista. Aliás, ainda no mesmo romance, há uma descrição que lembra Les casseurs de pierre do mesmo artista.
Estou a referir de memória, daquilo que li, não disponho agora de tempo para
mais precisões.
Mas isto leva-me a outro ponto, e vou
ser maçador mais uma dúzia de linhas. A conferência de Eça – que se perdeu, só
sabemos dela através de notícias de jornais – teria um outro título: “A Nova
Literatura”. Porém, o mais referido, parece-me, é o acima citado: “O Realismo
como nova expressão de arte”. A arte como totalidade, a Literatura como arte,
tal como a Pintura ou a Escultura. E daí o arrojado subtítulo da presença de José Régio, João Gaspar
Simões e Branquinho da Fonseca: Folha de
Arte e Crítica. Na arte e na crítica está contida a Literatura. As pontes –
umas suspensas, outras de pesados arcos – lançam-se entre todas as artes numa
heterofagia estética (grande e original tirada!) que me faz lembrar um dito de
Picasso em Vallauris, lido ontem em O
amor da pintura, de Claude Roy: “Se tivesse nascido chinês, não seria
pintor, mas escritor. Escreveria os meus
quadros.” (Não sei se este remate é pertinente, mas tinha de acabar isto
de qualquer maneira).
2 comentários:
É isso mesmo: «Na arte e na crítica está contida a Literatura. As pontes – umas suspensas, outras de pesados arcos – lançam-se entre todas as artes numa heterofagia estética (grande e original tirada!) (...)»,combinando/revelando/expressando o espírito de uma época nas suas dissonâncias e consonâncias , ou a sua visão do mundo.
Na sequência do que escrevi mais acima, percebo mais uma vez a influência do meio e sobretudo das companhias (boas neste caso!.
Visitei o Museu d'Orsay duas vezes. Ambas nos anos 90. Na altura maravilhei-me com as obras, mas numa perspectiva puramente lúdica, ainda sem perceber que tinha pela frente um mundo, onde a arte anda de mão dada nas suas diferentes formas. Vejo tudo de forma tão diferente agora :) E fica muito a dever-se ao mundo dos livros!
Obrigatório revisitar o MO numa próxima visita à cidade luz e dar particular atenção ao "Un enterrement à Ornans", de G Courbet :) talvez até seja boa ideia reler o Eça ...
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