23 janeiro 2014

IRISALVA *


Saiu de casa à hora do desassossego dos pássaros,
quando os homens, nas tabernas, deixavam cair
sobre o mármore das mesas os braços dolentes
de resignação. Uma rosa de pano
adornava-lhe, num fingimento álacre,
a cintura do vestido. Levava a mala
vazia de sonho e, na pele, uma saudade do amor.
A manhã era uma sombra, um desafio,
uma promessa ínvia: ela conhecia como ninguém
o fragor da distância, o remorso lívido do corpo,
o gume vivaz da esperança por cumprir.   
Desapareceu, era já noite, num vórtice de árvores
e searas murchas, o silêncio da planície
cortado pelo grito rouco da automotora.

 
*Personagem de URBANO TAVARES RODRIGUES em Bastardos do Sol

5 comentários:

Manuel Nunes disse...

Desculpem qualquer coisinha. Pus-me a imitar o poeta JOSÉ RAFAEL e saiu isto.

Anónimo disse...

Bia diz...

Lindo, porque não sei dizer mais nada.

Custódia C. disse...

Caro heterónimo de José Rafael, não seja modesto:

"...Levava a mala
vazia de sonho e, na pele, uma saudade do amor..."

Deixou-me sem palavras!

Paula M. disse...

Eu não ando bem com tanto texto, tanto quadro, edifício, azulejos, referências. N/ é que pensei que era um excerto do livro? Mas n/ era bem assim...pelo que me lembrava. Só depois percebi, n/ era um trecho, mas um original:o seu autor e o José Rafael surpreendem-nos sempre. Pela positiva.

Manuela Correia disse...

Estimado José Rafael, gostei das suas palavras.