23 janeiro 2014

SEMPRE EM FRENTE: PINTURA E LITERATURA --- CESÁRIO VERDE ENTRE O REALISMO E O IMPRESSIONISMO

CLAUDE MONET, O piquenique (1865) , Museu Pushkin, Moscovo
 
DE TARDE
 
Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
 
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
 
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
 
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
 
CESÁRIO VERDE
 
NOTA: O sentido pictural deste poema é dado no último verso da primeira quadra: “Em todo o caso dava uma aguarela”. Sente-se de imediato que o poeta se dispõe a pintar com palavras.
Depois, somos surpreendidos por uma paleta de cores: “um granzoal azul”, “um ramalhete rubro”, “púrpuro”. Diria estarmos perante uma pintura realista já de passagem para uma apreensão impressionista do real.
Aqui fica esta interpretação pessoal, ligeira e despretensiosa, eventualmente semelhante - no todo ou em parte - a outras já feitas.  

3 comentários:

Custódia C. disse...

Distraio-me durante dois dias e agora tenho aqui matéria para ler e comentar ... que é obra :)

Muito bonito!
A eterna correlação pintura / poesia a inspirar desde a antiguidade clássica ...

Paula M. disse...

Tu andas mesmo nesta onda de pintura/literatura, Manuel. Muito interessante. Também sempre achei o Cesário Verde um poeta muito «pictórico» e visual, captando as suas impressões de cores, luz, figuras. Gosto muito! Os poemas dele remetem-e sempre para os Impressionistas.
De facto este blog anda cheio de informações literárias e artísticas. Eu ontem até fiz serão para me actualizar com tanto post de monta!

Manuel Nunes disse...

Ah! e uma de que me esqueci. Nos últimos dois versos da 3ª quadra
--- "E houve talhadas de melão, damascos,/ E pão-de-ló molhado em malvasia." --- como que se figura uma natureza-morta, esse género de tão grande tradição na pintura ocidental.
Lá cantava o Zeca :
"Vejam bem
Que não há
Só gaivotas
Em terra
Quando um homem
Se põe
A pensar" :)