24 janeiro 2014

PINTURA E LITERATURA : A COR QUE NOS FALTA

 Guilherme Santa-Rita (1889-1918)
Cabeça cubo-futurista (1912)
 
Guilherme Santa-Rita, conhecido por Santa-Rita Pintor, privou em Paris com Marinetti, também com o nosso Mário de Sá-Carneiro que o fez personagem  (Gervásio Vila-Nova) da sua novela  A Confissão de Lúcio.
Deu indicações à família para que, por sua morte, lhe destruíssem toda a obra. Poupo as minhas leitoras a mais dados biográficos: consultem a Wikipédia ou abram os livros.
Nas  cartas para Fernando Pessoa, diz o poeta de Dispersão:
 
= Paris, 28 Out. 1912
Querido Amigo
Tenho andado muito com o Guilherme de Santa-Rita.
É um tipo fantástico, não deixando no entanto de ser interessante.
Imagine você que a uma mesa do Bullier, em frente duma laranjada – e tendo por horizonte o turbilhão dos pares dançando uma valsa austríaca – de súbito, a propósito já não sei de quê, me desfechou esta:
 – … porque eu, sabe você meu caro Sá-Carneiro, não sou filho da minha mãe…
Julguei estar sonhando, mas ele continuou.
   O meu pai, querendo dar-me uma educação máscula e rude, mandou-me para fora de casa quando era muito pequeno. Fui para uma ama cujo marido era oleiro. Essa ama tinha um filho. Uma das crianças morreu. Ele disse que fora o seu filho. Entretanto a instância de minha mãe e devido a eu ter ido com uma companhia de saltimbancos tendo sido encontrado em Badajoz (…) voltei para casa dos meus pais. Em 1906 porém a minha ama morreu e deixou uma carta para minha mãe em que confessava que quem morrera fora o filho dela. Logo eu não era filho da minha mãe mas sim da minha ama. É este o lamentável segredo, a tragédia da minha vida. Sou um intruso.
 
Uns dias mais tarde, nova carta para Pessoa, escrita do Grand Hotel du Globe 50, rue des Écoles
 
= Meu caro
(…)
Ainda a respeito do Santa-Rita: Ele explica a sua habilidade e a sua tendência para a pintura por o seu pai ser oleiro…
Actualmente, disse-me, trabalha num quadro  que representa «o silêncio num quarto sem móveis»…
Há pouco tempo pintou também – coisa que considera uma das suas melhores obras – um pequeno quadro que representa um W.C. Não posso julgar das obras porque não as vi. Ele mesmo afirma que as coisas que pinta só umas 10 pessoas, em todo o mundo, as podem não só compreender como ver…

 
Depois de reler estas duas cartas, penso, com toda a sinceridade, como a nossa vida é pobre e tão vazia de cor.
 

1 comentário:

Paula M. disse...

Nem todos podem ser breves Santa-Rita, que tanto irritava e perturbava o já de si perturbado Sá-Carneiro.
Personagem histriónica, «larger than life», como teria sido a sua obra, se não tivesse partido tão jovem? Aliás ambos, porque a vida nem sempre tem cor.