Guilherme Santa-Rita (1889-1918)
Cabeça cubo-futurista (1912)
Guilherme
Santa-Rita, conhecido por Santa-Rita Pintor, privou em Paris com Marinetti,
também com o nosso Mário de Sá-Carneiro que o fez personagem (Gervásio Vila-Nova) da sua novela A
Confissão de Lúcio.
Deu
indicações à família para que, por sua morte, lhe destruíssem toda a obra. Poupo
as minhas leitoras a mais dados biográficos: consultem a Wikipédia ou abram os
livros.
Nas cartas para Fernando Pessoa, diz o poeta de Dispersão:
= Paris, 28
Out. 1912
Querido
Amigo
Tenho andado
muito com o Guilherme de Santa-Rita.
É um tipo
fantástico, não deixando no entanto de ser interessante.
Imagine você
que a uma mesa do Bullier, em frente duma laranjada – e tendo por horizonte o
turbilhão dos pares dançando uma valsa austríaca – de súbito, a propósito já
não sei de quê, me desfechou esta:
– … porque eu, sabe você meu caro Sá-Carneiro,
não sou filho da minha mãe…
Julguei
estar sonhando, mas ele continuou.
– O meu
pai, querendo dar-me uma educação máscula e rude, mandou-me para fora de casa
quando era muito pequeno. Fui para uma ama cujo marido era oleiro. Essa ama
tinha um filho. Uma das crianças morreu. Ele disse que fora o seu filho.
Entretanto a instância de minha mãe e devido a eu ter ido com uma companhia de
saltimbancos tendo sido encontrado em Badajoz (…) voltei para casa dos meus
pais. Em 1906 porém a minha ama morreu e deixou uma carta para minha mãe em que
confessava que quem morrera fora o filho dela. Logo eu não era filho da minha
mãe mas sim da minha ama. É este o lamentável segredo, a tragédia da minha
vida. Sou um intruso.
Uns dias
mais tarde, nova carta para Pessoa, escrita do Grand Hotel du Globe 50, rue des
Écoles
= Meu caro
(…)
Ainda a
respeito do Santa-Rita: Ele explica a sua habilidade e a sua tendência para a
pintura por o seu pai ser oleiro…
Actualmente,
disse-me, trabalha num quadro que
representa «o silêncio num quarto sem móveis»…
Há pouco
tempo pintou também – coisa que considera uma das suas melhores obras – um pequeno
quadro que representa um W.C. Não posso julgar das obras porque não as vi. Ele
mesmo afirma que as coisas que pinta só umas 10 pessoas, em todo o mundo, as
podem não só compreender como ver…
Depois de
reler estas duas cartas, penso, com toda a sinceridade,
como a nossa vida é pobre e tão vazia de cor.
1 comentário:
Nem todos podem ser breves Santa-Rita, que tanto irritava e perturbava o já de si perturbado Sá-Carneiro.
Personagem histriónica, «larger than life», como teria sido a sua obra, se não tivesse partido tão jovem? Aliás ambos, porque a vida nem sempre tem cor.
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