10 fevereiro 2020

A SIBILA (1)


Uma característica da escrita de Agustina é a capacidade de dizer as coisas da forma menos previsível. Isso surpreende o leitor e agarra-o na aventura de a ler. Veja-se a seguinte passagem de A Ronda da Noite: «O adultério tem o seu horário, como o calista e as provas na modista tinham o seu. Já não há calistas, no Porto creio que tem dois ou três; foram substituídos pelas manicuras, o que não é a mesma coisa, nem se lhe compara.» Ou esta do mesmo livro: «No fim de contas, o que era o amor das pessoas senão aquela cena do trapézio voador, dando as mãos, a fazer saltos mortais com a rede, sem a rede, e no fim, se é que havia fim, a fazer vénias de ginastas e a sumir por detrás dos reposteiros?».
No capítulo IV de A Sibila – até onde li – é-nos dado começar a perceber os traços de poder de Joaquina, a sua «ascendência espiritual», o sentimento e o pressentimento na relação com os homens, de resto já patente no capítulo III quando de forma nervosamente fria põe um ponto final na afeição de quatro anos do seu conversado. Joaquina amava em estado de insatisfação, estava acima das paixões que tolhem e fazem doer. Diz-se no final do capítulo: «O amor é um estado de lucidez e de vidência. Aquele que ama é implacável; e só as almas mornas e indiferentes encontram no seu semelhante uma justificação de misérias fraternas e, perdoando-lhe, exigem o seu próprio perdão.» Acho que não se percebe logo, é preciso voltar a ler, de preferência em voz alta. Depois, aceite-se ou não, já se fica agarrado à ideia.

1 comentário:

Custódia C. disse...

É Agustina, não é verdade? :)