Uma das características do narrador d' A Sibila é uma espécie de alarde cultural que não chega a incomodar e cativa. Desde chamar por nomes estrangeiros os móveis dos campónios (rocking chair, siège percé, etc.) até à referência de obras de arte da grande pintura europeia, como Femme à la robe verte, de Claude Monet. Muito mais se poderia dizer sobre este narrador (ou narradora), mas limito-me a deixar a imagem da obra citada do impressionista francês. E assim se fecha, pela minha parte, o ciclo de publicações sobre A Sibila.
Óleo sobre tela (1866).Blogue da Comunidade de Leitores da Biblioteca de S. Domingos de Rana - Cascais - Portugal
28 fevereiro 2020
27 fevereiro 2020
AINDA A SIBILA - MAIS COISAS PROSAICAS
Hoje, em Portugal (e em quase todo o mundo), com a divulgação de um modo de vida urbano e globalizado, diluiram-se, quase até à extinção, as caraterísticas que marcavam a diversidade social de norte a sul. No entanto, ainda é possível identificar, nos vestígios materiais (e imateriais), diferenças fundamentais que, na minha opinião, separavam, de forma decisiva, o Norte e o Sul (o Mondego como linha separadora, de acordo com Orlando Ribeiro, à parte todas as nuances regionais). Pessoalmente, quanto mais aprofundava o reconhecimento da lógica patente nas estruturas sociais e culturais nortenhas, através dos estudos etnográficos, da literatura e da arquitetura subsistente, maior era a perplexidade face às diferenças fundamentais, que descobria, para além do que unia uma população nacional maioritariamente camponesa.
Um exemplo que aproveito para acrescentar, é o do moinho, que também surge em A Sibila. Embora o tipo de que aqui se trata--o moinho de água de rodízio, também se encontrasse na região de Lisboa (saloia, portanto), era designado azenha, diferenciando-se assim do moinho de vento, o qual marcava sobretudo a paisagem meridional.
Uma vez mais, apresento o exemplo encontrado, ainda a funcionar, em Rio de Onor, tipo largamente difundido nas aldeias e que aproveitava, de forma simples, a torrente das linhas de água, por simples desvio. Quer dizer, sem as complicações que as azenhas de roda lateral implicavam, em zonas onde a água não fosse tão abundante. Recordo, a este propósito, o sistema utilizado nos moinhos de maré, que visitámos, e se baseia no mesmo princípio deste exemplo.
Um exemplo que aproveito para acrescentar, é o do moinho, que também surge em A Sibila. Embora o tipo de que aqui se trata--o moinho de água de rodízio, também se encontrasse na região de Lisboa (saloia, portanto), era designado azenha, diferenciando-se assim do moinho de vento, o qual marcava sobretudo a paisagem meridional.
Uma vez mais, apresento o exemplo encontrado, ainda a funcionar, em Rio de Onor, tipo largamente difundido nas aldeias e que aproveitava, de forma simples, a torrente das linhas de água, por simples desvio. Quer dizer, sem as complicações que as azenhas de roda lateral implicavam, em zonas onde a água não fosse tão abundante. Recordo, a este propósito, o sistema utilizado nos moinhos de maré, que visitámos, e se baseia no mesmo princípio deste exemplo.
A parte inferior, o rodízio que gira movido pela água, a que se chama INFERNO (desenho de F. Galhano, em Dias, J., Rio de Onor) |
Moinho de Rio de Onor, com o canal tosco de desvio da torrente. A represa faz parte do sistema |
O interior, ainda com todos os elementos a funcionar |
25 fevereiro 2020
"A SIBILA", AS CASAS, AS COZINHAS E OS MÓVEIS
Manhufe –
freguesia de Mancelos, Amarante –, não fica longe de Vila Meã, terra de Agustina,
de cuja sensibilidade rural se aproveitou para a sua narrativa.
Numa expressão
artística próxima do cubismo, Amadeo dá-nos uma cozinha da região de Entre
Douro e Minho, aliás a cozinha da casa de família, com essas “coisas prosaicas”
que são os móveis e utensílios. Não vejo nenhum banco corrido como aquele em
que Quina guardava o feijão e as estrigas, mas tudo o que lá está estimula a
nossa imaginação.
Há uma
diferença a considerar: esta é a cozinha de uma casa já estabelecida na sua
prosperidade; a de Quina, talvez igual à da família de Agustina, ainda se
procura firmar, e sempre sem dar muito nas vistas – a grande arte de não
despertar invejas e conseguir ir mais longe.
Para fechar,
outra obra de Amadeo do mesmo período: Casa
de Manhufe, a própria.
24 fevereiro 2020
AINDA A SIBILA - COISAS PROSAICAS
Do ambiente doméstico provinciano descrito por Agustina, vão-se destacando referências recorrentes à organização espacial dos interiores e a peças de mobiliário muito próprias daquelas latitudes onde decorre o romance. Uma dessas peças é o escano ou preguiceiro. Trata-se de um banco especial, em madeira, multifuncional, para instalar na cozinha (compartimento que não se assemelha ao que chamamos cozinha hoje, nem à congénere do sul). Lembrei-me então de partilhar o que recolhi há algum tempo, a propósito de Rio de Onor, uma aldeia de fronteira, em Trás-Os-Montes, em Jorge Dias e na experiência de uma visita à aldeia, que já perdeu, evidentemente, toda a vivência comunitária e pastoril que a caraterizava. No entanto, na casa onde pernoitámos, havia um par de escanos diferentes, os quais, embora fora do seu contexto original, ainda testemunham um certo modo de vida. Um deles tem uma mesa rebatível e uma gaveta lateral; o outro, um armário integrado com a porta disfarçada. Para além de reunir à beira do fogo uma parte da família, o escano servia também para alguém mais felizardo dormir à beira do lume nas noites de inverno...
23 fevereiro 2020
A SIBILA (12)
Vale o que vale. Em 2016, a revista Estante, da Fnac, promoveu a escolha dos 12 livros portugueses mais importantes dos últimos 100 anos. O júri era constituído pelos senhores e senhoras da foto. Da esquerda para a direita, Carlos Reis (professor catedrático de Literatura e ensaísta), Isabel Lucas (jornalista), Manuel Alberto Valente (editor), Clara Ferreira Alves (jornalista) e Pedro Mexia (crítico literário). O resultado foi o seguinte:
- A Casa Grande de Romarigães, de Aquilino Ribeiro;
- A Sibila, de Agustina Bessa-Luís;
- Finisterra, de Carlos de Oliveira;
- Húmus, de Raul Brandão;
- Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa;
- Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio;
- O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago;
- O Delfim, de José Cardoso Pires;
- Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes;
- Os Passos em Volta, de Herberto Helder;
- Para Sempre, de Vergílio Ferreira
e
- Sinais de Fogo, de Jorge de Sena.
Quem já leu estes 12 livros?
22 fevereiro 2020
A SIBILA (11)
Agustina entre os juncos das dunas
CAPÍTULO IX
– O NASCIMENTO DE GERMA E O CARTEIRO QUE NÃO ERA DE PABLO NERUDA; O DESPREZO DE
QUINA PELAS MULHERES E O SEU RISO PELOS PATRIARCAS DAS TRIBOS; A MENINA GERMA E
AS LIÇÕES DA VESSADA; BIRAS, BIRAS, BIRINHAS OU OS DESCONCERTOS DE AUGUSTO.
Acabei de
reler:
«Enfim,
Germa e Quina compreendiam-se bem demais, cada uma delas via na outra a sua
própria personalidade, como num espelho que não tem os jogos de luz da
benevolência para lhe adoçar os ângulos e esbater as deformidades. Cada uma via
na outra os próprios defeitos e virtudes, e, uns porque não gostavam de os
contemplar em outrem a nu, outros porque antes quisessem tê-las como originais,
isso fazia com que mutuamente se detestassem, pois nós sempre tomamos como um
vexame a cópia do nosso eu.»
Quina e
Germa são as heroínas do romance. Não é por acaso que narrando a história de
Quina ele começa e acaba com Germa. E que precoce era a menina no entendimento de
tanto que escapava a todos.
21 fevereiro 2020
A SIBILA (10)
JOSÉ DO TELHADO (1818-1875), tal como é apresentado na edição ilustrada de Memórias do Cárcere, de Camilo Castelo Branco, Parceria A. M. Pereira, 2001
Esteve com Camilo na Cadeia da Relação do Porto, em 1860/61, antes de ser deportado para a África Ocidental Portuguesa. Era considerado esposo amantíssimo e pai extremoso. É personagem de Agustina no Cap. II de A Sibila.
20 fevereiro 2020
A SIBILA (9)
LITERATURA
DE CORDEL
Fui conhecer
a história da donzela Teodora de que se cita no Cap. XII d’ A Sibila aquela sentença engraçada sobre
a mulher perfeita: larga em três sítios, estreita em três sítios, branca em
três sítios, etc.
Conta-se rapidamente. No reino de Tunes, um mercador da Hungria comprou um dia uma
formosa donzela cristã. Mandou-a educar e teve-a consigo até que os seus
negócios faliram. A donzela sugeriu-lhe então que a vendesse ao Rei Miramolim
Almançor pelo alto preço de dez mil dobras de ouro vermelho, pois certamente
ele apreciaria a sua beleza e a fina educação que adquirira. Mercador e donzela
foram à presença do rei para firmar o trato. O rei logo viu a beleza da donzela
e quanto a educação e sabedoria submeteu-a a grande cópia de perguntas por
parte dos seus sábios. Ela saiu-se bem de todos os confrontos e, no fim, o rei
deu-lhe a liberdade, pagou-lhe as dez mil dobras de ouro e ainda lhe ofereceu
um vestido de brocado. E assim, mercador e donzela voltaram a ser felizes.
Cito algumas
questões levantadas por um dos sábios com as respostas da donzela Teodora: «Donzella,
mui bem tens dito, agora dize-me das idades das mulheres, em que cada uma he
pesada; a Donzella de vinte annos que dizes della? A Donzella respondeo:
digo-te Mestre, que se he formosa parece bem ás gentes, especialmente aos
homens, que são da sua compleição; e a de trinta, e quarenta annos, que me
dizes? Essas, Senhor, tem juizo em tudo, para aquellas que o não tem. Das de
cincoenta anos, que me dizes? Essas, Senhor Mestre, te digo, que he para o
cutelo. A de sessenta annos, que me dizes? Essa vos digo, Senhor Mestre, que he
boa para andar estações. As de setenta annos, que me dizes? Digo que já he
terra, e de fóra de toda a razão. Das de oitenta annos, que me dizes della? Essa
vos digo, Mestre, que não me entendo com ella, e de humas e outras vos guarde
Deos da melhor.»
Aqui fica. Muita
atenção, leitoras, a estas sentenças de proveito e exemplo.
19 fevereiro 2020
A SIBILA (8)
Já aqui escrevi sobre Elisa Aida Fattoni, condessa de Monteros, dizendo que entre ela e Quina havia uma estima recíproca.
Ontem à noite, relendo o Capítulo VII, atentei neste bocado de texto: «Entendiam-se bem, sem mutuamente se estimarem; partilhavam segredos, detestando-se, como se eles tivessem sido arrancados por violência ou por traição. Contudo, seriam capazes da mais inteira admiração uma pela outra, experimentando até uma coragem quase insolente, uma afeição viva e resgatadora, que estavam muito próximas do ódio.»
Extraordinária arte de dizer uma coisa e o seu contrário, ou não isso, antes os infinitos desdobramentos psicológicos das personagens aqui levados a uma dimensão superior de análise e compreensão.
~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~~ já agora, digam as leitoras qualquer coisinha. acho que devem estar cheias de ideias. até rima...
18 fevereiro 2020
A SIBILA (7)
TUER LE MANDARIN
Lembra-se em A Sibila que a expressão é de Rousseau (do
livro filosófico Emile), depois replicada
por Chateaubriand em Génie du christianisme
e creio também em Le Père Goriot por
Balzac. Assim, Eça de Queirós foi mais um a recorrer à imagem. “Tuer le
mandarin” (“Matar o mandarim”) significa um acto feito em proveito de alguém ao
abrigo de qualquer responsabilização. No romance de Agustina (Cap. XVI), o tema
é introduzido na relação de Abel com a filha: «”A solução destas vidas é sempre
uma herança” – pensava. E lia nos olhos de Germa a previsão fria da sua morte,
falava muito na imagem de Rousseau, a mágica campainha que suprimiria aquele
mandarim que, no mesmo instante, nos fazia senhores das suas fabulosas
riquezas.»
17 fevereiro 2020
A SIBILA (6)
Agustina, desenho de Alberto Luís (marido) em 1952
« – Vá a
minha casa um dia destes, de manhã. (…) Preciso muito de si. Sei que é mulher
de bom conselho…». Este o convite feito a Quina por Elisa Aida. Os poderes
divinatórios da lavradeira interessavam-lhe, mas também o seu sentido prático
da vida, tudo aquilo que uma ociosa pode aprender facilmente com uma mulher de
trabalho. Havia uma relação de desigualdade e, como Quina intuiu, se a condessa
a convidava era para se aproveitar dela.
Na verdade,
vieram a estimar-se reciprocamente. Custódio ou Emílio foi criado e mantido por
Quina talvez por um certo instinto maternal irrealizado, mas também por uma
questão de sangue, por ser supostamente neto ilegítimo da fidalga de
Água-Levada.
Amando o seu
filho adoptivo, não lhe deixou em testamento a sua parte na propriedade ancestral, mas
apenas as que adquirira com o seu trabalho e dinheiro. Há aqui uma espécie de
ética da propriedade. Tal ética – presente no amor à terra e na desconfiança
com que olhava os familiares que seguiam outros caminhos de ascensão social (por
exemplo, os irmãos e o tio José) – era já praticada pelo pai, Francisco
Teixeira. Estouvado, mais amigo do ócio do que do negócio, assim provocando a
ruína da casa, não sacrificava voluntariamente os bens para servir os seus
prazeres. Como se lê em determinado passo do Capítulo III a propósito de uma
caseira que lhe quis atribuir um filho, ele a repudiou com crueldade, «pois as
mulheres que, com a alegação dos seus amores, procuravam atingir o património,
tornavam-se-lhe odiosas.»
15 fevereiro 2020
A SIBILA (5)
« - Beba um copo e enxugue-se ao lume, ande lá.
Escanceou o vinho, que, dormente na caneca, mal espumejou a sua baba ciclâmen;» - Capítulo IX, episódio da chegada do carteiro com as notícias do nascimento de Germa. E em outro passo do romance também se refere a espuma do vinho como de cor ciclâmen.
Hoje, passeando por aí, dei com vistosos potes de ciclâmenes. Aí ficam as fotografias de dois. Cada vez me convenço mais de que nada acontece por acaso.
13 fevereiro 2020
A SIBILA (4)
MIGUEL ÂNGELO, A Criação de Adão, Capela Sistina, Cidade do Vaticano
OS ADÕES D´A SIBILA:
-- ADÃO,
conversado de Quina durante quatro anos.
Livrou-se da
relação por mor de um casamento com rapariga de teres e haveres e fez questão
de se explicar à conversada. Joaquina, que sabia quanto o poder do dinheiro
pode obnubilar os sentimentos, deixou-o ir. Desejou-lhe felicidades e ficou
como sua conselheira de bens e finanças pela vida fora.
-- FRANCISCO
TEIXEIRA, marido de Maria e pai de Quina.
Era frouxo
de cabeça, mas tinha um coração com asas e sabia fazer filhos.
-- LUÍS ROMÃO,
mestre-escola, namorado de Estina, irmã de Quina.
Cito:
«Elegante na mentira, já prevenido da irremediável pobreza de Estina, ainda a
namorou algum tempo, sinceramente, comovidamente, sem desbotar a graça dos seus
sorrisos, sem deixar de se despedir dela com um olhar morno e profundo(…). Um
domingo deixou de aparecer.»
-- INÁCIO
LUCAS, consorte de Estina.
Só o nome
arrepia. Uma espécie de besta do apocalipse em versão belle époque rural. Deixou
morrer os filhos, tratava mal a mulher. No desaparecimento da filha doidinha pareceu
mostrar alguma humanidade. Pura ilusão. Disse então para a esposa, aturdida pela infelicidade: «Se a menina não aparecer, se ela não vier ter aqui, trazida
pelos anjos ou pelos diabos, e sem que um pico de tojo lhe tenha arranhado a
pele, abro uma cova no quinteiro e enterro-te lá.» A única pessoa a quem tinha
algum respeito era a cunhada Quina.
-- AUGUSTO,
filho de Narcisa Soqueira.
Vago
pretendente de Quina, como se a água alguma vez se pudesse misturar com o
azeite. Um triste.
Bem dizia
Maria à filha Justina no lance do seu casamento de conveniência: «Faz o que
quiseres. Os homens não têm aproveitadoiro, é uma verdade. Mas…»
12 fevereiro 2020
A SIBILA (3)
«Sou uma
leoa
Nunca
permitirei que o meu corpo
Seja o lugar
de repouso de ninguém.
Mas se
deixasse, cuidado,
Não seria um
cão.
Oh! Quantos
leões
Eu
desdenhei!»
Estes versos
são da poeta hispano-árabe AISHA BINT AHMAD AL-QURTUBIYYA que viveu em Córdoba
no século X. Encontrei-os no livro Humilhação
e Glória, de Helena Vasconcelos.
Até ao que
li de A Sibila (preparo-me para
entrar no capítulo IX), acho que se ajustam na perfeição à personalidade de Joaquina
Augusta ou Quina.
11 fevereiro 2020
A SIBILA (2)
Capítulo V,
lido hoje. Ganha consistência o matriarcado vigente na casa da Vessada. Impera
o trabalho das mulheres, mães de facto, como a terra, ou por sublimação do
instinto maternal, caso de Joaquina. Na falta de «aproveitadoiro» dos homens, Estina
casa-se sem amor, ou por amor à Vessada, para robustecer com a aliança matrimonial
a possibilidade de um dia vir a defendê-la da gula dos irmãos: «Casando, ela aumentava
as possibilidades de um dia licitar sobre os bens, manter ainda aquele
aconchego de campos ligados por carreiros brancos, a vessada com a sua presa,
sobre a qual a ramada enfolhava com tons fulvos, reflectindo na água sombras
trémulas a assustar as rãs que pinchavam, mergulhando.» Por contraste, as
primas de Folgozinho, folgam. E chega-se a 1910, quarenta anos depois do
incêndio que arruinou a casa, mandado pôr por uma Prosérpina infernal no
desquite de um homem fraco de carne e coração – o pai da família, Francisco
Teixeira.
10 fevereiro 2020
A SIBILA (1)
Uma característica
da escrita de Agustina é a capacidade de dizer as coisas da forma menos
previsível. Isso surpreende o leitor e agarra-o na aventura de a ler. Veja-se a
seguinte passagem de A Ronda da Noite:
«O adultério tem o seu horário, como o calista e as provas na modista tinham o
seu. Já não há calistas, no Porto creio que tem dois ou três; foram
substituídos pelas manicuras, o que não é a mesma coisa, nem se lhe compara.» Ou
esta do mesmo livro: «No fim de contas, o que era o amor das pessoas senão
aquela cena do trapézio voador, dando as mãos, a fazer saltos mortais com a
rede, sem a rede, e no fim, se é que havia fim, a fazer vénias de ginastas e a
sumir por detrás dos reposteiros?».
No capítulo IV
de A Sibila – até onde li – é-nos
dado começar a perceber os traços de poder de Joaquina, a sua «ascendência
espiritual», o sentimento e o pressentimento na relação com os homens, de resto
já patente no capítulo III quando de forma nervosamente fria põe um ponto final
na afeição de quatro anos do seu conversado. Joaquina amava em estado de
insatisfação, estava acima das paixões que tolhem e fazem doer. Diz-se no final
do capítulo: «O amor é um estado de lucidez e de vidência. Aquele que ama é implacável;
e só as almas mornas e indiferentes encontram no seu semelhante uma
justificação de misérias fraternas e, perdoando-lhe, exigem o seu próprio
perdão.» Acho que não se percebe logo, é preciso voltar a ler, de preferência
em voz alta. Depois, aceite-se ou não, já se fica agarrado à ideia.
08 fevereiro 2020
"A Sibila" de Agustina Bessa Luís - 28 de Fevereiro às 21h00
Sinopse
No
norte de Portugal, em finais do século XIX, na propriedade da Vessada, há já
muito tempo que são as mulheres que, perante a indolência e os sonhos de evasão
que os homens alimentam, asseguram como podem a gestão da propriedade. Quina
era uma adolescente franzina e inculta, que desde cedo participava nos
trabalhos do campo ao lado dos trabalhadores. Com a morte do pai, com a
propriedade quase em abandono, Quina passa a ter que ter uma ainda maior
responsabilidade na administração da mesma. Graças ao seu esforço a todos os
níveis, começa a acumular de novo a riqueza que seu pai desperdiçara, o que lhe
vale a admiração da sociedade. Quina era uma pessoa lúcida, astuta e sempre em
demandas, o que faz com que esta se torne conhecida por Sibila…
Etiquetas:
"A Sibilia",
Agustina Bessa-Luís,
Livro do mês
Subscrever:
Mensagens (Atom)